quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Nau dos desapegos

       É como se o mundo almejasse o seu fracasso. Ou melhor. É como o mundo te chamasse e mostrasse -com ar sarcástico- o quanto ele é bom, grande e maravilhoso. Mas você? Você está fracassado. Fracassado pelas próprias palavras, ausentes, e pelo silêncio, gritante. 
       É como em todo mar escuro à deriva. A única coisa que se espera é que um navio "salva-vidas" venha tentar o resgate. Porque já se está em um lugar, em um b-e-n-d-i-t-o lugar, profundo demais e o pequeno nau solidário e cheio de boas intenções, não pode mais te alcançar.

- Você tem que gritar alto! Precisamos te ouvir! - ouço um deles deblaterando.
Mas eles não podem ver que a água está me encobrindo e que se eu tento falar, essa mesma água, entra pela minha boca e o sal rasga a minha garganta e invade o meu pulmão.

- Seja forte! Não desista! Estamos quase te acalçando! - o cara da esquerda é quem fala agora.
Mas eles também não sabem que o meu corpo está cansado, fatigado. Já são alguns longos meses à espera de socorro. Minhas pernas não aguentam mais empurrar-me para a superfície. Meus braços estão em movimentos desordenados. Então, força. É algo que aos poucos..não existe mais. Perdi tudo. Você pode me entender? E o que resta ali. O que mantém a vida. O que me faz boiar, suspendendo um pouco a dor e o cansaço. É somente o chamado instinto de sobrevivência humana - ou espiritual,  a minha missão e o desejo de cumpri-lá. Porque o meu corpo físico.Do qual tanto exigiam. Amoleceu.  Está completamente enrugado.
      Me diz agora o que você faria no meu lugar? Somos só eu. Você. O mar. E o navio apontando lá longe. Bem longe. Será que agora você entende? Talvez não. Talvez você nem tenha passado por isso. E se não passou. Não entende. Mas. Aprende aí.

     Chega então o momento do desespero. E mesmo que antes já tivessem ocorrido outros momentos difíceis.Eu ainda estava dentro do meu barco. Em terra firme. Mas agora eu pulei. Estou só. E com um único desejo: que aquele navio chegasse mais perto e rápido... Porque agora. Eu tenho p-r-e-s-s-a. De ser. Socorrida. Porque minha cabeça está pesada. Minha vista. Já escureceu. Minha. Consciência. E. O. Meu. Corpo. Começam. A. A.f.u.n.d.a.r. 




Mas eu te contei toda essa história.  Então. Aprende outra coisa:  isso também vai passar. Até o próximo mergulho.





Natália


quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Estranho, mas ausência acaba se tornando presença.
O vazio pareçe ocupar o lugar vago, embora talvez seja somente a sensação de ir só, ou seja, o vazio não está vazio, pelo contrário: ainda está cheio, mas não transbordando, borbulhando, queimando, dilacerando...digamos que entrou em seu estado latente, calmo, resignado.
Ás vezes volta a derramar algumas gotas, e embora ele não saiba, vos conto algo discoberto a pouco: essas gotas são somente instintos humano.
Sim, de sofrer. O velho Instinto Sofredor De Amor Mal Curado. Ou quem sabe um grito da voz vinda do fundo- aquela que o preenche e da vida.
Voz de timbre rouco, peito firme e cabeça insana. Voz que deve ser ouvida e deve ser vivida ao último tino.
Assim, esse vazio ainda sente a realidade, ainda sente dor, sente saudade, solidão. Mas em seguida e sobreposto há a ausência que intimida, que muda um atomo daqui e põe "prali", que faz o tempo passar, o sino tocar, as portas fecharem e as janelas se abrirem.

Quero um vazio um vazio sem ausência, para que assim fique um vazio completo.


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

4 mãos

"Somar é sempre mais!"

I
Como se comprar as horas para se conseguir o amanhã?
Poder descartar os dias frios e as noites escuras?,
Mudar o que o erro não muda?,
Fazer com que o tempo não passe?,
E de tudo achar muita pouca graça?,

Como saber o que realmente lhe falta?
O que realmente lhe dói?
Como descobrir que o que sempre quis é o mesmo que lhe corrói?

Como entender o significado da virtude?
Para onde vamos, de onde viemos, o que temos que fazer?
Exatidão duvidosa.
Qual o sentido de não encontra-lá?

4 mãos a procura do Ponto Final
- O que é mesmo um ponto? final?
Calma! O céu está logo ali (...)

II
Do que me adianta o céu?
Já não me importo quem sou seu.
Seu ponto de exatidão duvidosa,
é uma virtude que a leva ao céu?

Somos 4 mãos que se escondem entre frases,
Frases que revelam quem somos,
Somos um pouco de tudo,
Em tudo deixamos um pouco de nada.
Fazendo do nada um tudo,
em 4 mãos entrelaçadas.

Pertencer-te, eleva-me aos céus.
É como tentar achar-se nos piores dos pensamentos,
"Decifra-me ou devoro-te"!
A insigne e simplória resposta de um todo,
Nesse tudo ou nada.

O delirío já nos consome,
Como não perceber?
Falanges que procuram encontrar-se,
Na vertigem destes versos, quem sabe.
Pra talvez assim gozar supinamente.
Uma ou outra ilusão.



Mário Marcius & Natália Vasconcelos

domingo, 7 de novembro de 2010

Devaneios

Como quem se despede do dia
veste-me deusa
Usa-me para tudo que de mim achares princípio
Tira-me a vida, abandona-me nesse frio.

Sinto por dentre às tuas vestes
Esse calor, esse pudor reprimido
Eis o desalento de viver
Falso turbante embalsamado. 

Expõe essa relva que abita o nós
Esse sol, água dos mares
E a prosa, e o toco, e o traço
Orvalho debutante à espera do sino.

Sultilidade eloquente, âncora do teu cais
Amarga por inteiro
Toda a objeção que prosseguir
Sendo essa, semente dos céus.

Natália Vasconcelos

domingo, 31 de outubro de 2010

Apesar de Você

   Vem. Senta aqui e esfria um pouco a cabeça. Tem charuto Cohiba Behike em cima da mesa e a bebida também está lá, sirva-se à vontade. Tire um pouco esse carma, esse gosto de fel das mãos, desarruma esse cabelo, tira o nó da gravata, desaba! -Tá escutando a música? "Tristeza não tem fim. Felicidade sim". Ah! Tom&Vinicíus! Cante comigo esse prazer!
   Deixa eu te dizer: Há tempos te via lá fora assim quieto, manso, igual a criança em campo de concentração, clamando por vida. Tentando entrar algumas vezes, eu bem o lembro. Reneguei-o sempre, se soubesse quantas provas me traria.
   Rasga essa cara molhada, insulta essa alma podre e insana! Não venha me dizer que tens alguma utilidade, pois só enxergo essa face pálida fria, sem reflexo, corpo refratado, insigne e torpe! Diz-me impacientemente por que veio, anuncia-me ao teu relento. Extrava essa missão, essa fissura, desarma! Bebe, bebe mais. Não é isso que te dá vida? Nem sabes tu o que é liberdade, pois a cada passo impensado refuta esse ideário utópico. 
    Tira essa roupa, vem nú, despido de qualquer tensão ou ofensa, de qualquer temor oportuno, fecha os olhos e passa para o lado de lá. Viaja nessa eternidade põe um pé depois o outro, típica corda bamba- o que não deixa de ser, viver é sempre um risco- e pula! Jogue-se, entregue-se ao branco, mas lembra-te no último segundo do meu ego e do meu desejo vil nas madrugadas torturosas.
Vai em paz -se é que conheces isso- e completa a tua antítese no berço divino.




Natália Vasconcelos

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sim, Sou Poeta!

E se amar é sofrer,
Sim, eu amo!
Porque isso é ser poeta.
Isso é sentir o veneno
Do fracasso das palavras.

Se não chego ao óbvio,
É porque isso repugna-me!
Se não posso conter-me,
Por ser isso tão surreal,
Repleto de fagulhas de estacas
Me prendem
Me chamam
Me tentam

Se sofro pelo sangue
Que me escorre
Vestígios na mão e no corpo,
Presente divino,
No peito ficam as marcas
Nascer de todas
Pois sim,
Sou poeta!


 Natalia Vasconcelos


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Teu

E só te de olhar o céu já vem em mim.
Mesmo que de longe assim, quieta, mansa...
Senti que minha presença a tocou,
Sinto que pude transmitir o meu encanto, embora não todo.
Este que há tanto domina meus pensamentos,
E que realmente me causa torpor.
Magie! Outro mundo, outro tempo.
Se é que ele existe, resiste à nossa procura.

Olhar firme de quem sabe o que quer e sabe o que sente.
Prosseguido de uma afeição cabisbaixa,
Como quem quer deixar aquele ponto de interrogação no ar,
Como quem quer mexer, seduzir, confundir.
Ou até mesmo fugir de tudo aquilo: "Aquilo" porque não tem definição,
 E nem sei se sou capaz de tal.
Visto que até mesmo Nietzsche não definia em suas mais brilhantes obras,
Por chamar a definição em si das coisas um "engano do ideal".
Então poderia eu chamar "aquilo" de engano?
Deixa-me viver aos poucos,
Experimentar momento à momento
E crer cegamente.
O fascínio ainda existe, a dúvida ainda persiste
E esse sentimento ainda inibe.


Natália Vasconcelos


quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Jardim

É ilusão. Tudo é ilusão.
Somente uma questão de depositar expectativas, fantasias, vontades...- veja o seu despertar
E portanto, qualquer que seja esse meio de externizar o instropecto, frustante.
Não pode ser nada. Não há de ser nada.
É só aquele velho e devasto sentimento de l-o-u-c-u-r-a.
Ponto morto dessa esquizofrenia, ponto vazio.
Linearidade nefasta, continuidade desse ponto-luz, ponto brilhante...
Apenas ponto, ponto que nos uni - use todo tempo necessário.
Foge de mim esse ponto objeto e seu entendimento.
Se for que seja agora e já! Resistente.
Sem demora, sem espera, que torna-se eterno e intenso ou até enquanto nos for favorável.
Mas como? Bastavam-lhes somente aqueles instantes de encanto, procura, atração e.. ilusão
 Tudo é ilusão.

Natália Vasconcelos

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Nesses dias

    Falta muito pra eu chegar, fora o tempo que já passou e o tempo que perdi, contando os sinais vermelhos que vou pegar, fora também o trânsito enlouquecedor e a sombra que insiste em  aparecer sempre nesses dias. 
     A chuva que cai. E essa mesma chuva ou essa mesma água que molha ou até mesmo o chão molhado molha. Fora tudo que ainda falta pra assimilar, tudo que tem que ser dito e entendido. Fora o caminho que ainda tenho que achar, pois estou verdadeiramente perdida, andando numa corda fina de um abismo.
     Fora o teu olhar pesado, juntamente com aquele piscar lento, deixando um suspense no ar. Aquele teu andar manso, teu jeito de mexer os cabelos e movimentar docemente os lábios, frescos como a madrugada e insaciáveis como a morte. A forma como encara o chão, como se ele te socorresse, como se ele fosse o único meio de tirar daquela confusão toda. Tentar decifrar-te, em cada gesto.
      Falta o mundo. Ou será que eu falto a ele? in hoc signo vinces!


Natália Vasconcelos

Tudo ao mesmo tempo

E esse vazio nunca me foi tão grande. Mas não é um vazio de perda, pelo contrário, é um vazio de ganho, de alívio, de aceitação. Então por que "vazio"? 
Vazio de saber que agora aquilo teve fim, vazio de não ter mais sonhos, falo de vertigens palpáveis. 
Vazio por não ter aquela certeza ou por ter certeza demais, por sentir uma sensação de confiança nunca vivida nesses quase 3 anos.Vazio por não estar cheia, essa é a verdade. Vazia por não ter mais uma razão para viver ou melhor, por uma razão "de viver". 
Esvaziou o tudo. Esvaziou porque tinha que esvaziar, preencheu porque tinha que preencher, adicionou-se esperança  quando se era hora, mas a roubou no mesmo instante. 
Pensei em ir, pensei em ficar. E continuo aqui... pensando, vazia e só. Não vou dizer nada, não há nada pra ser dito. Há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia.

Natália Vasconcelos